Caminhando em silêncio, observavam as pessoas que cumpriam algumas obrigações do quotidiano: uma senhora entrava num minimercado; mais à frente um homem carregava uma saca de farinha à cabeça, para entregar numa padaria próxima.
– É disto que eu gosto – afirmou Jesus. – Poder contemplar a vida sem ser obrigado a nada.
– Mas, não podemos fazer só aquilo que mais gostamos – acrescentou, cuidadosa, a amola tesouras. – No entanto, entendo o que disseste à pouco, porque sinto o mesmo.
Mais adiante, ao passarem por um café, a amola tesouras disse:
– Jesus, ganhei algumas moedas que chegam para duas sopas… Aceitas?
– Aceito, mas com uma condição!… Dizes-me o teu nome?
– Oh, que estúpida… nem me apresentei! Chamo-me Maria da luz, se quiseres podes tratar-me apenas por Luz.
– Hum, é melhor não…
– Porquê?
– Porque… eu não digo lá muito bem os éLes! – disse Jesus, baixando o rosto, envergonhado.
– O quê? – Prenunciou, rindo, a mulher. – Um Jesus que não sabe dizer os éLes!!! Diz: «Lula»… – propôs Maria com ar de gozo.
– Não digo, não!
– Diz lá! – Insistiu Maria da Luz, quase a suplicar.
– Muito bem: Ûa – pronunciou timidamente Jesus. – Ri-te, para aí, à vontade!
– Oh, não se nota quase nada! – Argumentou Maria da Luz, a fazer beicinho. Depois, segurou no braço de Jesus e, encaminharam-se para o café.
A sopa, servida bem quentinha, aconchegava o estômago do viajante, que comia cada colherada com total apreço. Maria da luz observava com carinho as expressões que Jesus fazia ao comer a sopa. O modo suave como segurava a colher e como a enchia tão cuidadosamente, sem tocar sequer uma vez na tigela. Nunca tinha visto um homem comer sopa tão bem. Mas, não quis deixar transparecer que se tinha deixado impressionar. Contudo, sentira nesse instante que estava a ficar caídinha. Este homem era diferente, havia uma inexplicável graciosidade nos seus gestos, uma maneira engraçada de se mexer e um jeito único de fixar os olhos na colher da sopa – que levava à boca num ritmo compassado, vagaroso. Deixando-a de quatro!
– Quem és tu? Conta-me coisas sobre ti! – começou Maria da Luz, sem aguentar a curiosidade.
– Não posso – respondeu Jesus, pousando a colher dentro da sopa e olhando-a fixamente.
– Porque é que não me podes falar de ti? Eu não te estou a pedir que me dês o teu código do Multibanco!
– Seria bem mais fácil dar-te esse número, embora eu não tenha dinheiro algum – respondeu Jesus, dando depois uma pequena gargalhada.
– Vá lá, não sejas misterioso. Isso já não se usa…
– Agora, eu não te posso responder… porque estou a comer! Prefiro não falar de mim às refeições.
– Hum… – disse Maria a rir. – Já não está mais aqui quem falou!
– Sabes, para mim as refeições são actos sagrados – continuou Jesus. – Não basta alimentar o corpo, até porque isso é o que menos importa, trata-se mais de alimentar a alma…
– Alimentar a alma, mas a alma também gosta de sopa é?
Jesus sorriu, e depois respondeu:
– Maria, a tua sopa está a resfriar. Se tu não a comeres depressa, como-a eu. – disse Jesus jogando de imediato a mão à sopa da Maria. Maria da Luz não o deixou levar a tigela. Nisto os dedos de ambos tocaram-se. Maria sentiu um arrepio, algo subtil aconteceu ao tocarem as suas mãos, mas ela desconhecia o quê, embora a sensação lhe parecesse bem familiar, uma lembrança doutros tempos, talvez. No entanto, era cedo demais para criar ilusões.
Toda a mulher um dia espera encontrar aquele homem que a faça feliz. E Maria da Luz dedicou bastante tempo à procura desse homem que a poderia fazer sentir-se bem – mas já quase a rondar os trinta anos, ainda não tinha encontrado quem valesse a pena. Já tivera muitos namorados, dormira mesmo com muitos deles, mas aquele toque especial que faz uma mulher sentir-se completa ainda não tinha acontecido com nenhum deles. No entanto, Maria da luz agora havia sido tocada de uma forma especial, não só na pele mas de uma forma muito mais profunda. Ela sabia que sim, todas as mulheres sabem quando o homem que esperavam se faz visível. Quem seria aquele estranho, de poucas conversas, que entrara na cidade antiga pela manhã e que já a conquistara, coisa que nunca nenhum antes tinha conseguido, e este nem se esforçara nada, apenas a acompanhara e pouco mais.
Mas ela iria descobrir, uma mulher só não sabe o que não quer!
– Jesus, se é mesmo esse o teu nome, diz-me uma coisa… Pára de comer e escuta-me… Que procuras desta cidade, há algo em que eu te possa ajudar?
– Agora que falas nisso, agradava-me muito ter a tua companhia logo à noite no bar, estou cansado de beber sempre sozinho, aceitas acompanhar-me?
– Com uma condição, agora é a minha vez de pedir uma condição, posso!?
– Claro que sim!
– Fala-me de ti?
– Sim, falo, podes ter a certeza!
– Contas-me tudo o que eu te perguntar?
– Dou-te a minha palavra, e acredita que cumpro.
– Então, estamos combinados! Agora vou andando. Toma o dinheiro para pagares a despesa das sopas… Encontramo-nos logo à noite e podes acreditar que eu vou lá estar.
Jesus sorriu e a mulher moura abalou.